A tributação de marketplaces está prestes a passar por uma transformação radical no Brasil. Com a aprovação da Reforma Tributária, plataformas digitais de comércio eletrônico enfrentarão novas responsabilidades fiscais a partir de 2026, quando começam a vigorar as regras de transição para a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS). A mudança mais significativa está na implementação do split payment, mecanismo que torna os marketplaces responsáveis diretos pela retenção e repasse de tributos em cada transação realizada por vendedores terceiros.
O impacto dessa mudança alcança desde gigantes do e-commerce como Mercado Livre e Amazon até plataformas especializadas e aplicativos de delivery. A nova legislação redefine o papel dessas empresas no ecossistema tributário brasileiro, transformando-as em verdadeiros agentes arrecadadores do fisco. Para o setor, que movimentou mais de R$ 185 bilhões em 2023 segundo dados da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico, a adaptação representará desafios operacionais e tecnológicos consideráveis.
O split payment e a nova responsabilidade tributária
O split payment, ou pagamento dividido, é o coração da transformação na tributação de marketplaces. O mecanismo funciona de maneira relativamente simples: quando uma transação é concluída na plataforma, o valor correspondente aos tributos é automaticamente separado e direcionado aos cofres públicos antes mesmo de chegar ao vendedor. Essa retenção na fonte elimina várias etapas do processo tradicional de arrecadação e reduz significativamente as possibilidades de sonegação.
Na prática, as plataformas digitais assumem responsabilidades que antes cabiam exclusivamente aos comerciantes. Cada marketplace precisará calcular, reter e repassar aos governos federal, estaduais e municipais os valores correspondentes ao IBS e à CBS. A complexidade aumenta quando consideramos que as alíquotas podem variar conforme o tipo de produto, a origem e o destino da mercadoria, além de possíveis benefícios fiscais aplicáveis.
A legislação estabelece que o marketplace responde solidariamente pelo recolhimento dos tributos, mesmo quando o vendedor é o contribuinte principal. Isso significa que, em caso de irregularidades ou não recolhimento, o fisco poderá acionar diretamente a plataforma. Essa mudança representa um ganho significativo para os órgãos arrecadadores, que passam a lidar com um número reduzido de agentes fiscais de grande porte, em vez de milhões de pequenos vendedores dispersos.
IBS e CBS: entendendo os novos tributos
O IBS e a CBS substituirão, de forma gradual até 2033, os atuais ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI. O IBS será de competência estadual e municipal, enquanto a CBS ficará sob controle federal. Ambos funcionarão no modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA), tributando apenas o valor adicionado em cada etapa da cadeia produtiva.
Para os marketplaces, a distinção entre os dois tributos exige sistemas capazes de identificar corretamente a origem e o destino das mercadorias. O IBS, por exemplo, seguirá o princípio do destino: o imposto será recolhido no estado e município onde o consumidor final está localizado, não mais onde a mercadoria foi produzida ou vendida. Essa mudança altera profundamente a lógica da guerra fiscal entre estados, eliminando incentivos que distorciam a competição.
A CBS, por sua vez, unifica tributos federais e simplifica a tributação sobre o consumo em âmbito nacional. Segundo informações do [Ministério da Fazenda](https://www.gov.br/fazenda), a alíquota padrão deverá ficar em torno de 25%, considerando IBS e CBS somados, embora existam regimes diferenciados para setores específicos como saúde, educação e transporte.
O período de transição e seus desafios
A implementação das novas regras não acontecerá de uma só vez. O período de transição, que se estende de 2026 a 2033, foi desenhado para permitir que empresas e governos se adaptem gradualmente ao novo sistema. Em 2026 e 2027, CBS e IBS começam a ser cobrados em alíquotas reduzidas, coexistindo com os tributos atuais. A partir de 2029, inicia-se a redução progressiva dos impostos antigos até sua extinção completa em 2033.
Para os marketplaces, esse período representa uma janela crítica de adaptação. As plataformas precisarão desenvolver ou adquirir sistemas capazes de calcular simultaneamente tributos do regime antigo e do novo, aplicando as alíquotas corretas conforme o cronograma de transição. A complexidade se multiplica quando consideramos que diferentes produtos podem ter ritmos distintos de migração entre os regimes.
A fase de testes dos sistemas também preocupa gestores do setor. Diferentemente de uma simples atualização de software, a implementação do split payment exige integração com sistemas bancários, bases de dados governamentais e plataformas de pagamento. Qualquer falha pode resultar em recolhimentos incorretos, gerando passivos tributários ou retenções indevidas que afetam tanto a plataforma quanto os vendedores.
Automação fiscal como solução estratégica
Diante da complexidade do novo cenário, a automação fiscal deixa de ser uma opção e se torna imperativa para a sobrevivência operacional dos marketplaces. Sistemas manuais ou semi-automatizados simplesmente não conseguirão lidar com o volume de cálculos e a precisão exigida pela nova legislação. A cada segundo, milhares de transações acontecem nas principais plataformas brasileiras, cada uma demandando cálculos tributários específicos e instantâneos.
As soluções tecnológicas precisam contemplar múltiplas funcionalidades: identificação automática da natureza do produto, determinação da alíquota aplicável, reconhecimento da origem e destino da operação, aplicação de benefícios fiscais quando cabíveis e geração de relatórios para prestação de contas ao fisco. Além disso, os sistemas devem ser constantemente atualizados para acompanhar mudanças legislativas e decisões administrativas que possam afetar a tributação.
Especialistas em tecnologia fiscal apontam que a inteligência artificial e o machine learning serão fundamentais para otimizar esses processos. Algoritmos podem aprender padrões de tributação, identificar inconsistências e até prever riscos fiscais antes que se materializem. Empresas que investirem em automação robusta não apenas garantirão conformidade legal, mas também obterão vantagens competitivas em eficiência operacional e redução de custos.
Impactos para vendedores e consumidores finais
Embora a responsabilidade principal recaia sobre os marketplaces, vendedores também sentirão os efeitos das mudanças. Pequenos e médios lojistas que operam por meio de plataformas digitais precisarão adaptar suas rotinas contábeis e sistemas de precificação. A transparência trazida pelo split payment pode, inclusive, beneficiar vendedores regulares ao nivelar a competição com aqueles que hoje operam na informalidade.
Para os consumidores, a expectativa é de que a Reforma Tributária traga maior clareza sobre a carga tributária embutida nos produtos. Com um sistema mais simples e transparente, os preços finais devem refletir de forma mais evidente o peso dos impostos. No entanto, existe preocupação quanto ao possível aumento da carga tributária efetiva em alguns setores, especialmente durante o período de transição.
A [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)](https://www.oecd.org) tem apontado o modelo de IVA como mais eficiente e menos distorcivo que sistemas cumulativos. A experiência internacional sugere que, passado o período de adaptação, tanto empresas quanto consumidores se beneficiam de um ambiente tributário mais previsível e menos burocrático.
Preparação e estratégias para o novo cenário
Os marketplaces que desejam se destacar nesse novo ambiente precisam agir rapidamente. O primeiro passo é realizar um diagnóstico completo dos sistemas atuais, identificando gaps e necessidades de atualização. Em seguida, deve-se desenvolver um plano de implementação que contemple tecnologia, treinamento de equipes e processos de compliance.
A contratação de consultorias especializadas em tributação digital tem crescido exponencialmente. Essas empresas auxiliam na interpretação da legislação, no desenho de processos fiscais e na escolha das melhores soluções tecnológicas. Considerando os riscos envolvidos e as penalidades por não conformidade, esse investimento se justifica amplamente para plataformas de médio e grande porte.
Outra estratégia fundamental é o estabelecimento de canais de comunicação eficientes com vendedores. Os marketplaces precisarão educar seus parceiros comerciais sobre as novas regras, explicando como funcionará a retenção de tributos e que informações deverão ser fornecidas para garantir o cálculo correto. Essa transparência fortalece a relação entre plataforma e vendedores, reduzindo conflitos e aumentando a confiança mútua.
A tributação de marketplaces no Brasil está entrando em uma nova era. As mudanças trazidas pela CBS e IBS representam desafios significativos, mas também oportunidades para modernização e maior eficiência fiscal. As plataformas que se anteciparem, investindo em tecnologia e capacitação, estarão melhor posicionadas para prosperar nesse novo cenário tributário.
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